Alma nordestina e uma reflexão necessária sobre São João de Campina; por Ivandro Oliveira

Criado no início dos anos 1980, o Maior São João do Mundo nasceu como uma expressão autêntica da cultura nordestina, um tributo às tradições populares, ao forró pé de serra, às quadrilhas juninas e à alegria do povo paraibano. Isso foi, certamente, o que mais motivou o poeta Ronaldo Cunha Lima, de saudosa memória, criar a festa que projetou Campina para o mundo.

Ao longo das décadas, o evento cresceu, ganhou visibilidade nacional e se tornou um importante motor econômico e turístico para Campina Grande. No entanto, junto com o sucesso e a grandiosidade, veio também um processo preocupante de descaracterização da festa sob o indisfarçável apelo de ‘profissionalização’.

A cada nova edição, aumenta o número de atrações que pouco ou nada têm a ver com o espírito original do São João. Ritmos como sertanejo universitário, pop e até música eletrônica vêm tomando espaço nos palcos antes ocupados por mestres e ícones do forró tradicional. Essa substituição gradual é mais do que uma simples mudança de repertório: é uma perda de identidade, um enfraquecimento das raízes culturais que deram origem à festa.

Na prática, o São João está se transformando em um grande festival de música comercial, que poderia acontecer em qualquer capital brasileira. O clima de festa junina, com sua estética rural, seu simbolismo e sua musicalidade característica, vem sendo diluído em meio a superproduções de palco e à presença massiva de atrações que nada dialogam com o forró e com a cultura popular do Nordeste.

O que estamos presenciando é um processo de colonização cultural, onde os interesses comerciais e a lógica do mercado se sobrepõem à valorização da cultura local. A busca por grandes nomes de apelo nacional, que garantem lotação e visibilidade midiática, vem eclipsando os artistas regionais e os ritmos que compõem a alma do São João nordestino. O forró – nas suas vertentes autênticas – tem sido empurrado para espaços alternativos ou horários de menor visibilidade, enquanto o palco principal é dominado por estilos que nada dialogam com a tradição junina.

É claro que a festa deve evoluir, dialogar com o tempo presente e atrair novos públicos. Mas isso não pode acontecer à custa da sua essência. Não se trata de ser contra a diversidade musical, mas de reconhecer que o São João de Campina Grande tem um papel simbólico: ele representa o Nordeste, sua história, sua resistência, seus costumes e suas sonoridades únicas. Ao descaracterizá-lo, perdemos não só um patrimônio cultural, mas também a oportunidade de reafirmar nossa identidade diante do país.

Por isso, é fundamental que a sociedade campinense, os artistas locais, os produtores culturais e, sobretudo, o poder público, reflitam sobre o futuro do Maior São João do Mundo. Que tipo de festa queremos deixar para as próximas gerações? Uma vitrine de sucessos comerciais que pode ser vista em qualquer lugar do Brasil ou uma celebração única da riqueza cultural nordestina?

Ainda há tempo de recuperar o caminho. Incentivar a presença de artistas regionais, valorizar o forró de raiz, promover ações educativas sobre a cultura junina e estabelecer critérios mais rígidos para a escolha das atrações são medidas urgentes. O São João de Campina Grande precisa voltar a ser mais do que um grande evento: ele precisa voltar a ser um símbolo vivo da nossa cultura.

Ivandro Oliveira é jornalista


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