Na sessão desta quarta-feira (10), o ministro Luiz Fux protagonizou algo raro no cenário jurídico e político nacional: uma verdadeira aula de direito constitucional e processual penal, que deveria ser assistida e revisitada por qualquer estudante de direito, por operadores da justiça e, sobretudo, por aqueles que confundem poder jurisdicional com palco político.
Com um voto consubstanciado, amparado em citações eloquentes aos pais do direito constitucional, a juristas renomados do direito penal e processual penal, e ainda respaldado em julgados anteriores da própria Suprema Corte, Fux foi direto ao ponto: o processo em questão é nulo, por absoluta incompetência do STF em julgar Jair Bolsonaro e demais réus do chamado “processo do golpe”.
O princípio do juiz natural
O ministro lembrou que a mudança de interpretação sobre o foro privilegiado, ocorrida em anos recentes, não pode se sobrepor ao princípio maior do juiz natural. Nas palavras de Fux, violar essa garantia significa fragilizar uma das colunas do Estado Democrático de Direito: a imparcialidade do julgador.
Segundo ele, ou o processo deveria estar no Plenário da Corte – já que o julgamento diz respeito a um ex-presidente da República –, ou deveria descer à primeira instância, respeitando a regra aplicável a réus comuns. “Estamos diante de incompetência absoluta; impossível de ser desprezada”, cravou.
STF não é tribunal político
Em outro trecho emblemático, o ministro destacou que não compete ao Supremo realizar “juízo político”. Compete, sim, afirmar o que é ou não é constitucional, sob a Carta de 1988. O papel do julgador, frisou, não pode ser confundido com o de ator político. Uma lição que, se levada a sério, resgataria a objetividade, o rigor técnico e o minimalismo interpretativo que sempre deveriam nortear a Suprema Corte.
A Constituição vale para todos
Talvez a parte mais forte do voto tenha sido quando Fux reafirmou que a Constituição protege a todos – até mesmo os que são alvo de clamor popular ou repulsa política. “Juiz deve ter firmeza para condenar na certeza e humildade para absolver na dúvida”, registrou. É a reafirmação de que não há espaço para julgamentos de exceção, muito menos para decisões contaminadas pela pressão midiática ou social.
Patrimônio público da nação
Cada precedente firmado pelo STF, lembrou o ministro, torna-se patrimônio público da nação. É nesse sentido que sua posição se ergue não apenas como um voto técnico, mas como um chamado à responsabilidade institucional. Afinal, se o Supremo se permite banalizar a interpretação sobre foro, competência e imparcialidade, amanhã qualquer cidadão – e não apenas ex-presidentes – pode ser vítima da mesma arbitrariedade.
O voto de Luiz Fux não é um gesto isolado. É um alerta. É a lembrança de que o Supremo não pode se tornar refém de paixões políticas. O Brasil precisa de juízes que apliquem a lei, não de atores que encenem papéis ditados pelo momento.
Se prevalecer a tese exposta, o que deve ser muito difícil, o país terá dado um passo importante rumo à restauração da confiança no Judiciário. Se for ignorada, o que deve ser mais provável, o risco é que continuemos a transformar a mais alta corte do país em arena de disputas políticas – e, nesse caso, quem perde é a democracia.