Max Weber já advertia que o Estado é definido pelo monopólio legítimo da violência. Quando esse monopólio se dissolve — seja pela omissão, pela conivência ou pela incompetência das autoridades —, o que emerge é o estado de anomia, a ausência de normas e de autoridade reconhecida. E é exatamente nesse estágio que o Brasil, lamentavelmente, se encontra.
A insegurança que corrói o cotidiano dos cidadãos é o sintoma mais evidente dessa desordem institucional. Famílias inteiras vivem sitiadas em suas próprias casas; comunidades inteiras, reféns do crime organizado, se transformaram em territórios sob outro poder — o poder das armas, do medo e da submissão. Crianças e jovens são aliciados todos os dias para os exércitos paralelos do tráfico, que lhes promete aquilo que o Estado lhes nega: pertencimento, renda, poder e visibilidade. Em troca, entrega-lhes a morte — física e moral.
O cenário de guerra no Rio de Janeiro é apenas a face mais visível desse colapso nacional. A cada nova operação policial, o país parece assistir ao mesmo roteiro trágico: explosões, tiros, luto e uma sensação de impotência generalizada. O Rio é o retrato mais cruel, mas não é caso isolado. De Norte a Sul, o tráfico e as milícias expandem seus domínios com a naturalidade de quem não teme qualquer reação efetiva. O Brasil, inteiro, está sob ataque — e o Estado, acuado, parece ter se rendido sem sequer lutar.
Enquanto se fala em democracia e direitos, o povo se pergunta: democracia para quem? Porque uma democracia que não garante segurança, que não protege vidas, que não assegura a paz social, é uma ficção. É um regime que só serve aos bandidos, aos corruptos, aos omissos. Nas comunidades, quem dita as regras não é o prefeito, nem o governador, nem o presidente. São os traficantes, que impõem toque de recolher, decidem quem entra e quem sai, e determinam até o que se pode falar.
O discurso oficial, repetido como mantra, fala em “ações integradas” e “planos de segurança”, mas o que o país vê são operações paliativas — encenações de força que não enfrentam as causas profundas do problema. A verdade é dura, mas inescapável: o crime já venceu a guerra contra o Estado. Venceu porque foi mais ágil, mais estruturado, mais inteligente — e porque teve, do outro lado, autoridades negligentes, condescendentes e, não raro, cúmplices.
O Brasil precisa de um plano nacional de segurança pública que vá além da retórica. Um plano decente, exequível e compartilhado entre União, estados e municípios. Um plano que não se limite à repressão, mas que restabeleça a autoridade do Estado, a confiança das pessoas e a esperança das comunidades. Porque, neste momento, o que o povo brasileiro mais sente é a solidão — a amarga sensação de que está sozinho nessa guerra, enquanto os que deveriam protegê-lo se perdem em discursos, vaidades e conveniências políticas.
Se o Estado não retomar o comando, a anomia se consolidará como regra, e o Brasil deixará de ser uma democracia funcional para se tornar uma terra sem lei — onde o medo será a única política pública que realmente funciona.
Ivandro Oliveira é jornalista




