O ministro do STF, Gilmar Mendes, tem se tornado protagonista de uma série de declarações e posicionamentos que, ao que parece, vão além do que se espera de um membro da mais alta corte do país. Ao utilizar suas redes sociais para enaltecer manifestações de partidos de esquerda contra a chamada PEC da Blindagem e contra a PEC da Anistia, o decano do Supremo parece distorcer o papel de imparcialidade que se exige de um juiz.
O gesto de Gilmar Mendes não é apenas questionável do ponto de vista ético, mas também coloca em xeque a independência do Judiciário. Não se pode negar que o STF tem sido um baluarte na defesa das instituições democráticas, especialmente em momentos de crise. Contudo, ao manifestar publicamente apoio a determinadas ações políticas, Mendes extrapola a linha entre o que é função do Judiciário e o que é o envolvimento partidário. O ministro, que já foi protagonista de decisões polêmicas, como a que resultou no fim da prisão após segunda instância e que culminou na libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parece, novamente, estar tomando partido. Sua postura vai contra a neutralidade que se espera de um magistrado, comprometendo a credibilidade da própria Corte.
O momento que vivemos, de exacerbação dos ânimos, fruto de uma deletéria polarização política, exigiria uma postura mais cuidadosa por parte dos membros do Supremo. Não se trata de questionar o papel do STF em defender a Constituição e a democracia, mas sim da forma como isso é feito. Ao enaltecer a ação de determinados grupos, o ministro Gilmar Mendes emite sinais confusos à sociedade. Sua declaração de que “manifestações contra a anistia dos atos golpistas são a prova viva da força do povo brasileiro” é uma ironia quando analisamos o histórico de suas decisões. Em diferentes momentos, o STF tem demonstrado que a defesa da democracia e da ordem constitucional não pode ser confundida com ações políticas. O que se espera de um membro da Corte não é que ele seja um protagonista da política, mas sim um árbitro imparcial.
A relação de Gilmar Mendes com a política não é nova. Sua decisão de liderar o movimento que resultou no fim da prisão após segunda instância, especialmente no contexto da Operação Lava Jato, teve consequências profundas para a política brasileira, não apenas no campo jurídico. A libertação de Lula, um movimento interpretado por muitos como uma interferência no processo político, abriu espaço para o retorno do ex-presidente ao cenário político e, mais tarde, ao seu retorno ao cargo de presidente da República. As decisões de Gilmar, em seu histórico, apontam mais para uma forma de interagir com o jogo político do que para a verdadeira missão de um juiz constitucional.
O discurso de Gilmar Mendes sobre o “pacto nacional” entre os poderes soa, no mínimo, contraditório. O que ele propõe não é uma solução jurídica, mas sim uma movimentação política. A busca por um “pacto” entre Executivo, Legislativo e Judiciário levanta uma série de questões sobre o real papel do Judiciário em um sistema democrático. Em uma democracia plena, o Judiciário deve se manter acima da disputa política, não buscando consenso ou “unidade” entre os poderes, mas cumprindo sua função de garantir que as leis sejam aplicadas com imparcialidade, sem qualquer inclinação partidária.
Essa postura de buscar holofotes e de, ostensivamente, torcer por um lado político, reflete um sintoma grave do desgoverno no Judiciário brasileiro. Em um país onde as instituições são constantemente desafiadas e onde a confiança no sistema judiciário muitas vezes se esvai, é crucial que os magistrados se comportem com a máxima prudência e distanciamento das disputas políticas. O Judiciário não pode ser, em hipótese alguma, uma arena de disputas partidárias.
A atuação do STF deve ser pautada pela seriedade e pelo compromisso com a Constituição, sem espaço para flertes com a política. Gilmar Mendes, ao transitar para a esfera da militância política, ao fazer declarações públicas que favorecem um campo ideológico e ao tratar do Judiciário como um ator dentro de um jogo de poder, cria um precedente perigoso para o futuro da Corte e da democracia brasileira.
O país precisa de estabilidade, e isso passa pela preservação do equilíbrio entre os Poderes. Não por acaso, o chamado para a unidade e reconstrução nacional, que inclui um pacto entre os três Poderes, carece de seriedade e de mais comprometimento com a independência de cada um deles. Quando o Judiciário se envolve diretamente com o jogo político, perde-se a confiança da sociedade. O Supremo, em seu papel de guardião da Constituição, não pode, em nenhum momento, virar parte de um projeto político, seja ele qual for.
O caminho mais seguro para a democracia brasileira passa pela reafirmação da independência do Judiciário, pela manutenção da imparcialidade de seus membros e pela vigilância constante em relação aos abusos que possam ocorrer, independentemente de quem esteja no poder.
Ivandro Oliveira é jornalista