Telecatch dos populistas e a ilusão de grandeza geopolítica; por Ivandro Oliveira

O Brasil não tem a menor chance de enfrentar os Estados Unidos numa guerra comercial, econômica e muito menos política. A nova tarifa de 50% imposta por Donald Trump às exportações brasileiras não é apenas um gesto isolado de protecionismo ou birra eleitoral — é uma cartada de poder. Um recado claro de que a “loucura” da política externa brasileira, nas palavras do próprio Trump, tem limite.

Engana-se quem acredita que Trump fez o que fez por causa do seu ‘amigo’ Jair Bolsonaro ou que o verdadeiro problema está nos 50% da tarifa. Isso, muito provavelmente, não vai durar — e pode até ser revertido num eventual arranjo diplomático futuro. O problema real é a agenda política do governo brasileiro: uma insistência ideológica em ignorar, quando não afrontar abertamente, os Estados Unidos e tentar se alinhar a países e regimes com os quais o Brasil não tem afinidade, interesse estratégico real ou poder de influência mútua.

A retórica adotada pelo presidente Lula em eventos internacionais, especialmente nas reuniões do BRICS, tem ultrapassado os limites da prudência diplomática. Nenhum outro líder mundial — nem mesmo Xi Jinping, que tem razões econômicas reais para bater de frente com Washington — ousou tratar Trump em termos tão provocativos. Lula, ao contrário, parece ter cavado a falta de propósito, e conseguiu: Trump respondeu com força, num gesto simbólico e danoso que expõe a vulnerabilidade do Brasil num mundo cada vez mais competitivo.

Essa reação de Trump, por mais truculenta e eleitoreira que pareça, é também um lembrete: o Brasil está brincando com fogo. E não tem fósforos suficientes para manter essa fogueira acesa por muito tempo.

Mais do que uma medida econômica, a nova tarifa é uma advertência geopolítica. Um aviso de que o Brasil, ao tentar se posicionar como liderança do Sul Global, precisa lembrar de que não está jogando sozinho — e que provocações inconsequentes a uma superpotência têm custo.

Mas por que Lula faria isso? A resposta está na política interna. Com sua popularidade em queda e a eleição de 2026 no horizonte, Lula precisava de um inimigo à altura. Jair Bolsonaro, inelegível e desidratado politicamente, já não serve mais para alimentar a retórica do “nós contra eles”. O verdadeiro adversário hoje é o antipetismo difuso, aquele sentimento de rejeição que atravessa classes sociais e regiões.

Então, Lula recorreu ao truque mais antigo do manual populista: arranjar um vilão externo. Trump, com seu estilo espalhafatoso e agressivo, caiu como uma luva. E, como se esperava, respondeu à altura, com a mesma lógica populista e os mesmos interesses de curto prazo.

Temos, então, um telecatch geopolítico. De um lado, um Lula que quer estender seu protagonismo como o “grande líder” do Sul Global. Do outro, um Trump que sonha em ser o imperador informal das Américas. Ambos se retroalimentam politicamente — e ambos colocam em risco seus respectivos países por cálculos eleitorais.

A diferença? Trump representa um país com PIB trilionário, domínio militar e influência global concreta. Lula comanda uma economia em dificuldades, fragilizada internamente, sem aliados estratégicos consolidados e, agora, com as portas se fechando nos maiores mercados consumidores do planeta.

O Brasil, infelizmente, não está em posição de sustentar uma queda de braço com os Estados Unidos. Nem agora, nem num futuro próximo. Entrar nesse confronto por impulso ideológico ou oportunismo político é condenar o país a um isolamento custoso, que terá impactos reais nas exportações, nos empregos e na estabilidade macroeconômica.

Se há algo a se lamentar, é que a ideologia esteja cegando muitos daqueles que deveriam pensar o Brasil com pragmatismo, e não com fanatismo. A diplomacia brasileira sempre foi respeitada por sua sobriedade, equilíbrio e capacidade de diálogo com diferentes polos de poder. Hoje, arrisca ser lembrada por bravatas e improvisos.

O aviso de Trump pode ser tosco, agressivo e até eleitoreiro. Mas, para o Brasil, deveria soar como um alerta: essa loucura tem limite. E quem pagará a conta, como sempre, será o povo brasileiro.

Ivandro Oliveira é jornalista

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