Como a pandemia ‘bagunçou’ a economia brasileira em 2020

A pandemia de coronavírus derrubou a economia global em 2020 – e o Brasil não ficou imune ao abalo provocado pelas restrições impostas à atividade econômica, pela queda na renda das famílias e pelos adiamentos de investimentos e projetos empresariais e pessoais.

Veja abaixo as principais consequências da crise no Produto Interno Bruto (PIB), no mercado de trabalho, nas contas públicas e em outros indicadores da economia brasileira:

Impactos na indústria, comércio e serviços

A necessidade de isolamento social para conter o avanço da Covid-19 fez os principais setores da economia entrarem em queda livre. A princípio, a indústria foi mais prejudicada, pois somou uma redução brusca de demanda com a paralisação da produção.

Mas, a partir do ponto mais crítico da crise, entre abril e maio, cada setor teve uma retomada em dinâmicas diferentes. Com as políticas de incentivo fiscal e preservação do emprego criadas pelo governo federal, beneficiaram-se a indústria e o comércio de bens. O grande vencedor foi o comércio eletrônico, que registrou altas recordes de faturamento mês a mês e a adesão de novos clientes em ambiente digital.

Evolução da indústria, comércio e serviços em 2020 — Foto: G1 Economia

Já o setor de serviços ficou para trás — caso de bares, restaurantes, turismo e tantas outras atividades que demandam a presença do consumidor.

“A mudança de padrão de consumo das famílias fez da recuperação muito desigual. O varejo atingiu níveis muito maiores que o pré-pandemia e deve cair quando houver segurança para consumir serviços”, afirma Juan Jensen, economista e sócio da 4E Consultoria.

Para Jensen, a chegada da vacina deve reposicionar as curvas de cada setor mais ao centro, já que não haverá uma ampliação da massa salarial em 2021. Conforme a economia se normaliza, haverá uma queda inicial do comércio e alta mais vigorosa dos serviços.

Consumo

As principais medidas de resgate tomadas pelo governo durante a crise focaram no incentivo ao consumo. Além do Auxílio Emergencial, que despejou sozinho mais de R$ 300 bilhões na economia, houve a permissão de saque do FGTS emergencial, que tentou recompor as perdas de renda da população com a pandemia.

Pelos cálculos da 4E Consultoria, ainda haverá queda da massa efetiva de renda da ordem de 4,9% em relação ao ano passado. Mas, não fossem as medidas de incentivo, a redução seria de 12,6%.

As medidas foram fundamentais para resultados tão positivos como os do comércio. Como houve restrição mais severa do consumo de serviços, surgiram dois efeitos: maior concentração de gastos em itens básicos e crescimento da taxa de poupança.

“Para famílias mais pobres, o Auxílio Emergencial triplica a renda e valeu para intensificar compras no mercado, por exemplo. Para quem ganha um pouco mais, a flexibilização da circulação ajudou a aumentar a renda”, afirma André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

Pelos cálculos do Ibre/FGV, a procura por alimentos e a desvalorização cambial fez subir, em média, 67% dos custos de produtividade industrial, trazendo de volta as preocupações com a inflação. (leia mais abaixo)

“Não há estrutura produtiva que aguente. Temos visto um espalhamento maior do aumento de preço em bens duráveis, vestuário, eletrodomésticos etc.”, afirma.

Inflação

O descompasso entre oferta e demanda, a desvalorização do real e a retomada econômica da China resultaram em uma combinação perversa para a inflação em 2020. Os analistas consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, estimam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) vai encerrar 2020 acima do centro da meta do governo, de 4%. No auge da crise, em junho, a projeção era pouco superior a 1,5%.

Com as medidas de distanciamento social, o Brasil enfrentou inicialmente uma crise de oferta, seguida por uma de demanda. As empresas tiveram de paralisar parte ou toda a produção, e a renda de boa parte da população foi interrompida.

Com o Auxílio Emergencial, o país conseguiu retomar a demanda, mas sem que a produção das empresas acompanhasse o mesmo ritmo — resultando em alta dos preços em vários grupos da economia, sobretudo em alimentos e bens industriais.

“Vários setores ficaram com uma oferta desbalanceada e com pouca capacidade de responder de forma rápida a uma volta da demanda”, afirma o sócio e economista da Kairós Capital, André Loes.

Nesse cenário de descompasso, somaram-se ainda a desvalorização do real e a pressão de custo das matérias-primas, influenciadas pelo mercado doméstico e também por uma demanda crescente da China. O gigante asiático é um grande importador de commodities do Brasil — minério de ferro e soja, por exemplo —, e qualquer aumento de compra externa tem potencial para provocar uma alta de preços internamente.

“A retomada da China foi robusta e provocou uma ‘minibolha’ nos preços de commodities”, afirma o CEO da Fator Administração de Recursos, Paulo Gala.

Além da crise sanitária, a perda de valor da moeda brasileira tem como pano de fundo as incertezas dos investidores com o rumo das contas públicas. O impacto dessa desvalorização fica evidente no IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado). Conhecido como a inflação do aluguel e muito sensível ao comportamento do dólar, o IGP-M deve terminar este ano com uma alta superior a 20%.

Mercado de trabalho

Mesmo com as medidas de auxílio lançadas pelo governo, a taxa de desemprego veio renovando recordes desde julho no país, à medida que os trabalhadores que perderam sua ocupação na pandemia passaram a buscar um emprego após o relaxamento das medidas de restrição e redução do valor do Auxílio Emergencial.

De acordo com o último dado oficial, o desemprego saltou para 14,6% no 3º trimestre encerrado em setembro, afetando 14,1 milhões de brasileiros, com uma perda de 11,3 milhões de postos de trabalho em 12 meses e com mais da metade da população em idade para trabalhar sem ocupação.

Evolução da taxa de desemprego — Foto: Economia G1

Entre os trabalhadores com carteira assinada que conseguiram manter os empregos, quase 10 milhões (cerca de um terço do total) tiveram redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho.

Os mais afetados pela pandemia foram os informais. Em outubro, o país registrou o 4º mês seguido em que as contratações com carteira assinada superaram as demissões. No acumulado dos 10 primeiros meses deste ano, porém, houve a perda de 171.139 empregos formais.

Com a recuperação ainda tímida do mercado de trabalho, o rendimento médio do brasileiro correspondeu em outubro a 92,8% da renda média habitual, com os trabalhadores por conta própria sendo os mais atingidos pela queda de renda em razão da natureza da atividade, mais dependente de contato presencial e da retomada de uma rotina sem restrições.

Explosão da dívida pública

Os gastos federais anunciados para combater os efeitos da pandemia já somam R$ 615 bilhões, segundo o Tesouro Nacional. A resposta do governo para a crise garantiu algum alívio para empresas e trabalhadores que se viram, de uma hora para a outra, sem renda. Mas também provocou uma explosão da dívida pública, elevando as preocupações sobre a saúde das contas públicas e sustentabilidade fiscal do Brasil.

A dívida bruta do setor público, que no final do ano passado estava em 75,8% do PIB (Produto Interno Bruto), superou em 2020 a marca inédita 90% do PIB. E tende a continuar em trajetória de alta diante da perspectiva de recuperação lenta da economia e incertezas sobre a aprovação de reformas estruturais.

“A pandemia foi um choque fiscal de tal magnitude que exigiria um choque de credibilidade e de atuação por parte do governo, que não foi visto e acho difícil de ver acontecer pela frente”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, criticando a falta de um plano crível e executável de estabilização da trajetória da dívida.

Em relatório sobre o Brasil divulgado no começo de dezembro, o FMI (Fundo Monetário Internacional), projeta que a dívida pública bruta irá saltar para 100% do PIB e que continuará elevada no médio prazo.

Piora nas contas públicas — Foto: Economia G1

No acumulado no ano até outubro, as contas do setor público consolidado apresentaram déficit primário de R$ 632,9 bilhões, caminhando para o pior ano já registrado na série histórica do Banco Central e o 7º ano seguido com as despesas do governo superando as receitas de impostos e contribuições. Pelas projeções atuais do mercado, o Brasil só deverá voltar a registrar superávits a partir de 2026.

Investimentos

A pandemia afetou o rumo dos investimentos no Brasil. Sem uma clareza de quando a crise sanitária vai ser plenamente superada e a economia vai poder retomar a sua plena capacidade, os empresários postergaram qualquer tipo de plano de expansão neste ano.

No terceiro trimestre, os investimentos até cresceram 11%, mas não conseguiram superar a queda de 16,5% no trimestre anterior. No acumulado do ano, a queda é de 5,5%.

Há ainda a incerteza fiscal. Com a pandemia, o endividamento do governo deve se aproximar de 100% do PIB neste ano, um patamar considerado alto para uma economia emergente como a brasileira.

A principal dúvida na área fiscal é se o governo vai manter o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. Na leitura do mercado, uma eventual deterioração das contas públicas pode levar a uma fuga de investidores do país, o que provocaria uma depreciação do câmbio e um consequente aumento da taxa básica de juros – hoje em 2% ao ano.

Juros mais altos encarecem a tomada de crédito pelas empresas para realizar novos investimentos.

O baixo volume de investimentos no país em 2020 refletiu também a maior dificuldade do governo em avançar na sua agenda de privatizações e concessões, com muitos leilões sendo adiados e virando agora promessa para 2021 e 2022.

A lista de promessas frustradas no ano inclui, entre outros, o leilão do 5G, 22 aeroportos, 6 rodovias, 2 ferrovias e a venda de ao menos 6 estatais, incluindo a privatização da Eletrobras.

Em novembro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu estar “bastante frustrado” por não ter conseguido concluir a venda de nenhuma estatal em 2 anos de governo.

A privatização mais aguardada continua sendo a da Eletrobras, que é avaliada em cerca de R$ 60 bilhões e depende de aval do Congresso para ter seu controle transferido para o setor privado.

G1Economia

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